Artigo
publicado no Boletim #13 de Narcóticos Anônimos em novembro de 1985 pelo Conselho de Custódios para Serviços Mundiais de NA,
transcrito na Revista Vivência nº 63 –
Jan./Fev. 2000 e recolhido no sítio oficial da JUNAAB
Algumas
Considerações Sobre Nosso Relacionamento Com Alcoólicos Anônimos.
A forma como Narcóticos Anônimos – NA, se relaciona
com todas as outras irmandades e organizações podem gerar controvérsia dentro
de nossa irmandade. Embora haja uma política estabelecida de "cooperação sem afiliação", a
confusão permanece no que se refere às outras irmandades. Uma questão bastante
delicada envolve nosso relacionamento com a irmandade de Alcoólicos Anônimos. O
Conselho de Custódios para Serviços Mundiais de NA costuma receber cartas que versam
sobre a mais variada gama de perguntas acerca desse relacionamento.
Narcóticos Anônimos foi criado com base em
Alcoólicos Anônimos. Quase todas as comunidades de NA que existem, apoiaram-se,
de alguma forma, em A.A., durante seu período de formação. Nosso relacionamento
com A.A. tem sido muito verdadeiro e dinâmico ao longo dos anos. Nossa
irmandade como um todo resultou da dúvida existente em A.A., sobre o que fazer
com os adictos que batiam à sua porta. Voltaremos um pouco às origens, em busca
de uma perspectiva de nosso atual relacionamento com A.A.
Bill W., um dos cofundadores de A.A. , sempre dizia
que um dos maiores sustentáculos de sua irmandade era a unicidade de propósito,
ou seja, mirar somente um aspecto. Limitando seu propósito primordial a levar a
mensagem aos alcoólicos e evitando assim qualquer outra atividade, A.A. é capaz
de se desincumbir dessa tarefa de uma forma extremamente eficaz. O clima de
identificação é preservado pela unicidade de propósito, e o alcoólico encontra
então a ajuda de que necessita.
Desde seu mais remoto início, A.A. foi confrontado
com uma situação bastante complicada: "O
que fazer com os dependentes químicos que nos procuravam? Desejamos manter
nosso foco no álcool para que a mensagem seja levada ao alcoólico, mas os
adictos que aqui chegam, falam sobre drogas, e, inadvertidamente enfraquecem
nosso clima de identificação." Os Doze Passos e o Livro Azul já haviam
sido escritos - o que mais se esperava que eles fizessem? Que novamente os
reescrevessem? Permitir que o clima de identificação se diluísse e que o
sentido de pertencer a A.A. se perdesse? Expulsar aquelas pessoas agonizantes
para que morressem na rua? Deve ter sido uma situação extremamente complexa
para A.A.
Quando A.A. finalmente estudou o problema de forma
cuidadosa e tomou uma posição através de sua literatura, a solução por eles
encontrada foi mais uma prova de seu bom senso e sabedoria. Prometeram seu
apoio num espírito de "cooperação,
mas não afiliação". Essa solução de grande visão para uma questão tão
complexa preparou o terreno para o surgimento da irmandade de Narcóticos
Anônimos.
Entretanto, o problema que A.A gostaria de evitar
teria de ser comunicado individualmente a cada grupo que tentasse adaptar seu
programa de recuperação para dependentes químicos (adictos). Como conseguir
então o clima de identificação indispensável para a rendição e a consequente
recuperação, caso fosse permitido acolher os mais diversos tipos de
dependência? Seria possível para um dependente de heroína se relacionar com facilidade
com outros dependentes cujo problema fosse o álcool, maconha ou
tranquilizantes? Como seria conseguida a Unidade, que, segundo a Primeira
Tradição, é fundamental para a recuperação? Nossa Irmandade (NA) herdou então
um árduo dilema.
Para que se tenha ideia de como A.A. lidou com o
problema, voltemos um pouco para a sua história. Uma segunda coisa sobre a qual
Bill W., sempre falava e escrevia, era o que ele chamava de "gol de placa" de sua
irmandade - as palavras do Terceiro e Décimo Primeiro Passos. A grande área da
espiritualidade versus religião era tão complexa para eles assim como a
unicidade de enfoque o era para nós. Bill costumava contar como o simples fato
de acrescentar "na forma em que O
concebíamos" depois da palavra "Deus",
liquidou por completo com toda a controvérsia a esse respeito. Um simples
quesito, que tinha potencial para dividir e destruir A.A. transformou-se num
dos maiores alicerces de seu programa.
À medida que os fundadores de Narcóticos Anônimos
adaptaram os Passos de A.A., chegaram também a um "gol de placa" de importância equivalente. Ao invés de
adaptar o Primeiro Passo de forma lógica e natural ("Admitimos que somos impotentes perante as drogas"), eles
fizeram aí uma mudança radical: Escreveram assim: "Admitimos que somos impotentes perante a nossa adição". Existe
um grande número de drogas e o uso de qualquer delas é apenas o sintoma de
nossa doença. Quando os adictos se reúnem e enfocam as drogas, normalmente
estão enfocando suas diferenças, pois cada um deles usa um tipo de combinação
de drogas. A única coisa que todos eles tem em comum é a doença da adição. Com
aquela simples mudança na frase, foi criada a irmandade de Narcóticos Anônimos.
Nosso Primeiro Passo (NA) dá-nos um foco: nossa
adição. As palavras do Passo Um enfocam também nossa impotência perante os
sintomas da doença. A frase “impotentes
perante nossa adição" engloba tanto os veteranos quanto os
recém-chegados. Nossa adição vem novamente à tona e causa descontrole de
pensamentos e sentimentos sempre que descuidamos de nosso programa de
recuperação. Esse processo nada tem a ver com a "droga de preferência". Estamos alerta contra a
recorrência do nosso uso de droga aplicando nossos princípios espirituais antes
de uma recaída. Nosso Primeiro Passo se aplica independentemente da "droga de preferência" e do
tempo em que estamos limpos. Tendo esse "gol
de placa" como embasamento, NA floresceu como importante organização
mundial, enfocando claramente a adição.
À medida que a comunidade de NA amadureceu através
de um melhor conhecimento de seus próprios princípios (o Passo Um em
particular), um fato interessante se apresentou. A perspectiva de A.A.,
enfocando o álcool, e a abordagem de NA, não enfocando nenhuma droga
específica, não podem ser confundidas (misturadas). Quando tentamos misturá-las
enfrentamos os mesmos problemas que A.A. teve conosco. Quando nossos membros se
identificam como "adictos e
alcoólicos", ou falam sobre "sobriedade"
e viver "limpo e sóbrio", a
clareza da mensagem de NA é truncada. Esse linguajar sugere a existência de
duas doenças e que cada droga é diferente da outra, como se houvesse
necessidade de terminologias diferenciadas toda vez que a adição fosse
discutida. À primeira vista, o fato parece de somenos importância, contudo
nossa experiência mostra que o impacto da mensagem de NA é claramente atenuado
por essa confusão semântica aparentemente tão sutil.
Ficou bem claro que tanto nossa compreensão quanto
nossa unidade, assim como a nossa rendição "ampla,
total e irrestrita" como adictos que somos, depende de um entendimento
límpido e cristalino de nossos princípios mais fundamentais: somos impotentes
perante uma doença que piora progressivamente mediante o uso de qualquer droga.
Não importa qual fosse a nossa "droga
de preferência" ao ingressarmos; qualquer droga que usarmos acionará
novamente a doença. Recuperamo-nos da doença da adição aplicando nossos Doze
Passos. Nossos Passos foram escritos especialmente para transmitir claramente a
mensagem, portanto, todo o resto de nossa linguagem de recuperação precisa ser
tão consistente quanto eles. Não podemos misturar esses princípios fundamentais
com aqueles da organização coirmã, sem que nossa própria mensagem seja
truncada.
Ambas as irmandades têm sua Sexta Tradição, para
que possam conservar suas respectivas características e impedir que se afastem
do seu propósito primordial. Uma irmandade de Doze Passos possui uma
necessidade inerente de enfocar um único propósito, de forma a fazê-lo de um
modo eficaz; cada irmandade de Doze Passos deve ser independente e não filiada
a nenhuma outra atividade. A separação faz parte de nossa natureza, assim como
o uso de terminologia própria, pois cada uma delas tem seu único e diferenciado
propósito. O alcoolismo é o enfoque de A.A., e nós devemos respeitar o nosso
próprio propósito e identificarmo-nos em nossas reuniões como adictos
simplesmente, e fazer nossas partilhas de forma que a nossa mensagem seja
clara.
Como irmandade, devemos nos empenhar cada vez mais
em evoluir, sem nos atermos teimosamente a nenhuma radicalidade. Aqueles
companheiros que estavam truncando (ainda que sem intenção) a mensagem de NA,
usando termos como "sobriedade",
"alcoólico", "limpo e sóbrio", "viciado em
drogas" etc., poderiam contribuir bastante se identificando claramente
como adictos e passando a usar as palavras "limpo,"
"tempo limpo," e
"recuperação", as quais não especificam nenhuma substância em
particular. Todos nós podemos ajudar, citando nas reuniões apenas a nossa
literatura, e evitando com isso implicações de qualquer endosso ou afiliação.
Nossos princípios são autossustentáveis. Pelo bem de nosso desenvolvimento como
irmandade e a recuperação individual de nossos membros, nossa abordagem dos
problemas da adição deve transparecer claramente em tudo o que fazemos ou falamos
nas reuniões.
Membros de NA que costumavam usar esses argumentos
no sentido de racionalizar e também cristalizar uma posição anti-A.A.,
conseguiram com isso desestabilizar companheiros veteranos e bastante ativos
dentro da Irmandade. Melhor fariam eles se reavaliassem e reconsiderassem os
efeitos danosos desse tipo de comportamento. Narcóticos Anônimos é uma
irmandade espiritualizada. Amor, tolerância, paciência, e compreensão são
essenciais na consolidação de nossos princípios.
Vamos canalizar energias em direção ao nosso
desenvolvimento espiritual pessoal, através dos nossos Doze Passos. Levemos
nossa mensagem de forma clara. Há muito trabalho e fazer e precisaremos muito
uns dos outros para que haja eficácia. Vamos buscar o espírito de unidade de
NA.
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